A direita evangélica precisa ser exposta ... por evangélicos e por quem mais form preciso
[Texto publicado no meu Facebook em 18/3/2023]
Não podemos naturalizar o absurdo aparelhamento ideológico realizado nas igrejas evangélicas pelos pastores e líderes leigos de extrema direita. Não era de "se esperar", não há justificativa aceitável, não há legitimidade possível nessa prática, que tampouco começou com o fracassado "Capitólio brasileiro" de janeiro de 2023.
Desde pelo menos 2010, quando Dilma Rousseff foi eleita pela primeira vez, as articulações envolvendo políticos e pastores evangélicos de direita e extrema-direita foram se dando, no Congresso e em muitas igrejas. Esse não foi um processo fortuito, mas muito bem arquitetado e implementado. A facilidade com que essa corja política e pastoral tomou conta de estruturas decisórias, departamentos e canais de divulgação pública das igrejas mostra o quanto essas estruturas são permeáveis à ação de minorias organizadas. Há muita confiança não-monitorada no exercício do poder interno nas igrejas evangélicas. E os processos de identificação de distorções e atos criminosos são muito pouco transparentes e eficazes.
A questão não pode ser tratada tampouco pela ótica de isenção fiscal ou não. Sim, aí também há violações. Mas nessa área, argumentos secularistas serão meramente convenientes, se não estiverem dispostos a apontar o dedo para uma gigantesca rede de organizações "sem fins lucrativos" no país - escolas, universidades, hospitais, creches, fundações, ONGs, associações civis de múltiplas naturezas - além das igrejas (e sua própria rede de organizações assistenciais e de serviço). O problema a ser enfrentado aqui é o da responsabilização dos perpetrantes. Eles têm nome, endereço e CPF. E o que fizeram precisa ser investigado e cobrado dessas pessoas, não entrar em diversionismos institucionais.
O que ocorreu não foi "mais um caso" de igrejas evangélicas - enquanto organizações, enquanto atores coletivos - indo além de suas prerrogativas. O que ocorreu foi uma tomada de poder nas igrejas por parte da direita religiosa e, com ela, uma guinada de aparelhamento religioso e político e de perseguição cada vez mais sistemática dos dissidentes que, sim, reagiram e resistiram no interior das igrejas e fora delas, aos desatinos praticados em nome da fé, da Bíblia e dos tais "valores tradicionais".
É escandaloso o que aconteceu nas igrejas evangélicas, como também aconteceu em órgãos públicos, em empresas, na mídia, nos anos pós-impeachment no Brasil. A investigação da tentativa de golpe em janeiro de 2023 não pode, no entanto, nem acabar jogando os holofotes em um único (e útil) bod expiatório ("as igrejas evangélicas", ou pior, "os evangélicos", como termos genéricos. Precisa ir além. A direita brasileira já tinha feito o mesmo nos anos 1960. Chegou a ser patético que nem mesmo inovou no nome de algumas ações (como as Marchas da Família com Deus pela Liberdade). E os contemporâneos que engrossaram suas fileiras ou apoiaram suas ações estão todos aí. Alguns arrependidos e tentando ajudar a consertar a zona que produziram. Mas a maioria seguindo o caminho de sempre dos covardes e criminosos: escondendo-se no silêncio, nos subterfúgios e mesmo juntando-se aos novos donos do poder para salvar a pele.
A direita evangélica avacalhou com a dignidade de milhões de evangélicos e suas instituições de ontem e de hoje. Merece ser exposta, investigada, denunciada e levada aos tribunais onde quer que seus crimes sejam comprovados. Mas as denominações evangélicas através de suas instâncias investigativas, representativas e decisórias, e as igrejas independentes (neste caso, por meio de seus próprios membros, diretamente) têm que acertar contas, sim, com gente que não só se entregou ao velhissimo sonho integrista de uma igreja abraçada aos beijos com o poder estabelecido, mas também impôs politicamente uma interpretação viciada e viciosa da fé cristã sobre milhões de fiéis que continuaram aceitando a contragosto, reagindo como podiam ou seguindo sem discernimento a "orientação" de seus líderes.
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